domingo, junho 25, 2006

Águas do coração


Pequenas pedras, pequenos detritos. Algumas folhas, ciscos de toda espécie. Poeira.


Uns vêm trazidos pela aragem leve e mansamente tocam a superfície. Submergem com leveza, qual uma dança.

Alguns caem do próprio ar, sequer perturbam a tranquilidade das águas.

Outros, porém, são trazidos ferozmente pela tempestade e agitam-nas com tal intensidade que até as partículas já acomodadas são revolvidas, provocando um grande rebuliço. Nessas ocasiões, toda a camada sedimentada no fundo se desprende, e a violência do vento chega a trazer à tona muitos desses detritos novamente.

São assim as águas do coração. Muitos problemas mal nos incomodam, porque são pequenos demais. Mas quando surgem dificuldades maiores, que perturbam realmente a nossa serenidade, os pequenos problemas também emergem, deixando transparecer amarguras guardadas. Desfaz-se o nosso equilíbrio e passamos a nos incomodar com coisas insignificantes.

É claro que, nessas horas, não conseguimos nos lembrar que a tempestade passa e também as grandes pedras vão ao fundo.

E, já que não podemos eliminar de vez o que nos perturba, resta protegermo-nos o quanto mais da tempestade, para que cause o menor dano possível.

14.07.82
Foto: Parque dos Ipês-SBO 2004 (Bete Padoveze
)

domingo, junho 18, 2006

Refúgio


É preciso que a gente, às vezes, se isole deste mundo louco.


É preciso que a gente tenha um cantinho, um oásis, um refúgio nessa angustiante aldeia de malucos.

É preciso um lugar onde a gente possa repousar e se abandonar, onde a gente possa gozar das coisas lindas que ainda existem, mas são raras. Onde se possa chorar de emoção livremente. Onde se possa ler um livro e penetrar inteiramente em seu cenário, como se dele fizesse parte. Onde se possa ouvir as músicas que a gente ama e sonhar, sonhar...

Um lugar aonde o mal não tenha acesso, aonde a violência não chegue. Um lugar onde o cheiro da felicidade, que hoje parece tão antigo, rescenda por todos os cantos.

Um lugar em que as paredes tenham vida e cada objeto tenha sua própria história. Um lugar onde cada pedacinho fale da gente e onde a liberdade passeie sem medo. Um lugar onde se possa estar nua. Onde se pode beber um copo d´água estalando os lábios de prazer.

Um lugar onde Deus não precisa pedir licença prá entrar.

Texto e foto: Bete Padoveze
19.08.82