sábado, fevereiro 25, 2012

Gafes de morte

Estou lendo um livro muito divertido da Andréa Cordoniz, chamado “Clube das Asneiras” (*). É ótimo para ter uns momentos de relax e humor. É ótimo também se você fala em público e teme dar grandes foras, vexames, cometer gafes – lendo as asneiras de pessoas famosas e não tão famosas, é fácil ver que todo mundo pode facilmente escorregar no excesso de palavras, ou na falta delas. É inacreditável a capacidade que temos de botar os pés pelas mãos quando o que realmente queremos é impressionar. Se você quer ter certeza que estão prestando atenção no que você diz, é só falar uma asneira...
Lendo o capítulo das Asneiras Avoadas, lembrei-me de alguns clássicos de minha autoria, todos eles ‘de morte’, isto é, têm a ver com o assunto. Não que a morte seja engraçada – ao contrário, em todos os momentos meus sentimentos eram do mais profundo respeito à pessoa e à família.

Hoje rio das minhas ‘desventuras em série’ ...

Gafe no. 1 Quem é o morto?
Minha amiga Ângela me telefonou informando que nosso colega de classe do colegial/magistério tinha falecido. Ainda era jovem, e eu não o via há anos, sabia sequer o que fazia, onde morava. Em respeito à amizade entre estudantes, confirmei que iria ao enterro marcado para 17 horas.

Como era dia de trabalho, resolvi esperar o féretro (ainda se usa essa palavra?) no portão da empresa, já que o cemitério ficava ao lado, e acompanhar o sepultamento e tudo o mais. Na curva da rua, por volta de 17:15 já se via o cortejo. Fiquei à procura de minha amiga para juntar-me à ela, mas não consegui distingui-la. Talvez esteja num dos carros, pensei, e dirigi-me também ao cemitério, esperando vê-la na chegada. O cortejo chegou, entrou, o caixão foi colocado sobre a mesa para receber o último adeus dos familiares e amigos.

Eu, por dentro, um pouco sem graça, já que ela havia feito tanta questão de nossa presença e não tinha comparecido. Também não me sentia à vontade pois não conhecia ninguém presente. Enfim, fiquei na minha e aguardei.

O caixão foi aberto e dentro dele o morto num terno acinzentado, gravata, como manda o figurino para o além. Estatura não muito alta, cabelos pretos, pele morena, bigode espesso. Tudo conferia. Apenas eu não conseguia enxergar o Wilsinho naquela pessoa, após tantos anos. Incomodada mas sem saber o que fazer, entrei na fila, discretamente despedi-me do morto e tomei o caminho de volta.

Na saída, novo cortejo chegando, vejo minha amiga e outros ex-colegas acompanhando o enterro do Wilsinho, que foi atrasado por conta do anterior. Aberto o caixão, lá estava ele, cabelos pretos, pele morena, bigode, num terno não muito diferente do outro morto.

Até hoje fico lembrando da viúva do primeiro, uma moça que sempre encontrava no caminho para o trabalho mas que não conhecia. Vi que ela me olhou (uma total estranha no grupo) várias vezes durante a cerimônia – devia estar se perguntando donde eu conhecia seu marido...



Gafe no. 2 – Quem é a mãe?
Fui ao velório do pai de um amigo muito querido. Prestei meus respeitos ao morto, que conhecia apenas de conversas com o Marco Antonio. Esperei um momento mais adequado para dar os pêsames a ele, que estava muito consternado. Falei pouca coisa e dirigi-me à senhora ao seu lado para expressar minha solidariedade pela perda do marido. Assim que terminei, Marco Antonio me tocou levemente o braço e disse: Bete, essa não é a minha mãe...

Gafe no. 3 – De novo?
Outro enterro, desta vez não me lembro de quem, mas reuniu muitos conhecidos e ex-colegas. Como as oportunidades de rever pessoas são raras, gosto de dar uma palavrinha, perguntar como estão,etc. Lá encontrei uma amiga que não via há tempos, que tinha se casado e teve uma filha. Ao revê-la, já fui falando: Você demorou prá decidir, mas agora já está preparando o segundo bebê? Ela respondeu: Nada disso, é barriga mesmo...

Eu podia ficar de boca calada às vezes...




Gafe no. 4 - No hospital ou no velório?
Senti-me mal no trabalho (a pressão alta me atemorizando desde muito jovem) e o colega   Rogério dispôs-se a me trazer prá casa, a 50 minutos do trabalho. Como ele não conhecia minha cidade muito bem, fui indicando o caminho, ao mesmo tempo que informava os locais de destaque por onde passávamos. Resolvi ir direto ao hospital para ser medicada, cujo caminho passava em frente ao velório. Estava um pouco desconfortável por tirar um colega do seu trabalho, fazê-lo perder quase duas horas entre ida e volta. 

Chegando perto do velório, Rogério pergunta: É aqui que você quer ficar?

Ainda não, Rogério, ainda não.

Gafe no. 5 - Você aqui também?
Fui ao velório do pai de um amigo, o Antonio. Como sempre, encontrei muita gente conhecida. Conversa vai, conversa vem, um antigo amigo de meu irmão se aproximou do grupo. Comentei com ele, toda alegre: Puxa, faz tempo tempo que não vejo você! Até havia me esquecido que você já trabalhou com o Antonio. Apesar da hora, gostei de vê-lo! 

Ele respondeu: É que meu pai faleceu também e está na outra sala sendo velado.

Naquele dia fui a dois enterros.


Gafe no. 6 - Lugar garantido
Estava preparando um dossiê com dados da empresa, onde deveriam ser incluídos os currículos dos funcionários em posição-chave. Entre eles deveria estar o de um amigo com quem ia ao trabalho diariamente, vinte e cinco minutos de estrada, muita conversa, muitas risadas. Às vezes o deixávamos em frente à sua casa, como no dia anterior, quando encontramos sua mãe, Meire, varrendo a calçada.

Ao examinar seu currículo, observei com surpresa que o nome de sua mãe era na realidade Mary e o sobrenome de solteira era inglês. Liguei prá ele imediatamente e perguntei se ela era descendente de americanos, já que tivemos uma imigraçao de norte-americanos para Santa Bárbara depois da guerra da Secessão. A cidade ainda mantém a Fraternidade de Descendência Americana e o Cemitério do Campo, onde foram enterrados os primeiros imigrantes e onde hoje são enterrados os seus descendentes. Anualmente vou à festa da fraternidade e sempre visito o cemitério, que fica ao lado da área de eventos, e passo um tempo lendo os nomes nas lápides. Puro interesse histórico.


Bem, voltemos ao meu amigo. Sim, ela é descendente de americanos, respondeu ele.

E - perguntei - por que ela não está enterrada no Cemitério dos Americanos?

Ele respondeu calmamente: Por que ela ainda não morreu, Bete...


(*) Blog da Andréa Cordoniz: http://www.exorcizesuaalmagorda.blogspot.com/

Fotos: Bete Padoveze - Cemitério do Campo (Cemitério dos Americanos) - Santa Bárbara d'Oeste  2007 



domingo, fevereiro 19, 2012

Guerra e Paz em São Paulo

Fim de semana de Carnaval em São Paulo, meu filho me levou prá lugares onde a folia parece não existir. Sequer um barulhinho de batucada, ou marchinha, ou axé. Brilhos, só o do sol ou da lua. Livraria Cultura, café na Bella Paulista, jantar no aconchegante Carola. Domingo de manhã, uma visita ao Memorial da América Latina para conhecer os dois grandes painéis de Portinari.

Monumental.

No Salão dos Atos, o azul predomina nas gigantescas telas: tons mais escuros e soturnos ilustrando os horrores da guerra, tons mais claros e vivos mostrando a vida simples e calma que só se consegue em tempos de paz.

http://manchete-de-ontem.blogspot.com/2011/02/portinari-mais-paz-que-guerra.html
Leva-se tempo para capturar as cenas retratadas que, ali no salão preto iluminado de forma a garantir a visibilidade e ao mesmo tempo preservar a obra, se oferecem gratuitamente ao público que não as pôde ver no prédio da ONU em Nova Iorque, ou não poderá vê-las quando lá retornarem em 2013.
Breno impressionado pela riqueza de detalhes. A foto do celular captura muito pouco na luz dimensionada para proteger a obra.

Em outro prédio podia-se ver cerca de 100 estudos feitos pelo artista para compor a obra, que levou 4 anos para ser finalizada (1952-1956). Doente pela intoxicação provocada pelas tintas, Portinari faleceu em 1962 deixando como legado obras que nos impressionam e nos enchem de orgulho.

Voltei prá casa mais leve e mais rica, profundamente tocada pela determinação que faz um ser humano dedicar a vida inteira à arte em que deposita toda a sua alma.




domingo, fevereiro 12, 2012

A saudade é uma faca Ginsu

que corta o coração em fatias, às vezes lentamente, outras em corte rápido e preciso. De um lado ficam as fatias, umas tão finas que a gente mal percebe no momento, mas juntas depois formam um grande espaço vazio; outras são fatias tão largas que imediatamente lhe roubam  o peso necessário para bater diariamente.

A saudade é uma peixeira de aço que penetra profundamente no peito e, tentando retirá-la, ao sair vem rasgando a carne e dilacerando os nervos, provocando uma lancinante e insuportável dor.

A saudade é um anzol fino que um movimento leve e preciso faz prender ao coração - parece simples tirá-lo, mas ele se enrosca mais e mais e a cada tentativa aumenta o sangramento e a dor.

Inteligente, o coração aprende a se regenerar e a preencher o que lhe foi tirado, já que necessita continuar. Mas nenhuma parte dele renascida terá a mesma forma e composição da anterior: uma vez que se despedaça, jamais será o mesmo...